Autismo e adolescência: quais os principais desafios?

Autismo e adolescência: quais os principais desafios?

  • Grupo Conduzir admin
  • 14 de agosto de 2018
  • Autismo

Autismo e adolescência são temas que enchem de preocupação os pais e os profissionais das mais diferentes áreas. Como uma pessoa com o Transtorno do Espectro Autista (TEA) enfrenta a adolescência? Como prepará-la para essa fase tão complicada e cheia de desafios
Para esclarecer essas dúvidas, entrevistamos (Entrevista cedida para o site Esporte e Inclusão) a psicóloga Marina Ramos, Analista de Comportamento, Especialista em Autismo, Consultora e Supervisora ABA (Análise do Comportamento Aplicada) do Grupo Conduzir.

 

Tiago Toledo: Adolescência é, por si só, uma fase cheia de desafios (escola, sexualidade, autocobranças, entre outros). Como um adolescente autista (leve ou moderado) lida com tudo isso?
Marina Ramos:
 A adolescência é uma fase cheia de desafios para todas as pessoas e acredito que para os autistas ela seja mais exacerbada, pois esses desafios se tornam mais frequentes. Há uma forte demanda de habilidades sociais, como a parte da sexualidade, autoestima, responsabilidades, depressão, ansiedade e comportamentos muito rígidos. São muitas decisões a serem tomadas e, no caso do adolescente leve ou moderado, há uma dificuldade de entender o que está acontecendo e ele começa a perceber que há algo diferente com ele.

 

Tiago: Como assim? Que tipo de comportamento diferente o adolescente autista costuma perceber em si mesmo em relação aos demais jovens?
Marina: 
Ele começa a ver que os colegas estão evoluindo, fazendo escolhas, namorando, e a dificuldade na área social é uma característica do autista. Ele geralmente não consegue se inserir de forma adequada. Há uma vontade, mas, ao mesmo tempo, o adolescente autista não se encaixa nos grupos. Portanto, é extremamente essencial que esses adolescentes autistas estejam bem acompanhados por especialistas e por tratamentos adequados, para que as questões típicas dessa fase não se tornem mais problemas a serem resolvidos.

 

Tiago: E o adolescente com autismo de grau severo, como enfrenta essa fase?
Marina: 
O adolescente com autismo mais severo tem mais dificuldades, uma vez que ele já apresenta uma questão cognitiva mais séria. Ele não é independente e muitas vezes a fala não está bem desenvolvida, prejudicando a comunicação. Com isso, as demandas sociais se tornam mais altas e o adolescente com grau de autismo severo tem mais dificuldade de discriminar as situações. Porém, as mudanças biológicas e hormonais acontecem da mesma forma que para os demais adolescentes e existe um desafio maior para se expressar, de entender essas mudanças, principalmente biológicas. Na fase da sexualidade, a masturbação fica muito em alta. Desse modo, é necessário um trabalho de adequação social para esses autistas. Outro ponto a ser trabalhado com o autista de grau severo é a independência funcional, ou seja, como se trocar, comer e tomar banho sozinho.

 

Tiago: Alguns especialistas dizem que os adolescentes autistas, de graus leve e moderado, apresentam grande dificuldade de compreender a intenção do outro e acabam sendo enganados com facilidade. Você concorda? Como blindar o autista dessa situação?
Marina: 
Sim. Os adolescentes com TEA, independentemente do grau de autismo, têm bastante dificuldade de entender os sinais do ambiente, de entender piadas e metáforas. A ingenuidade é muito grande e, por isso, outras pessoas podem enganá-los com facilidade, fazer brincadeiras que eles não vão entender. Portanto, nessa fase a gente precisa se certificar de que esse adolescente está sendo acompanhado da forma correta com um especialista. Ele precisa desenvolver habilidades de leitura do ambiente, de consciência. É preciso treinar esse adolescente para que ele entenda metáforas, piadas e noções de perigo, para que ele não seja negligenciado ou abusado por nenhuma outra pessoa e tenha condições mínimas de entender os sinais e saber se aquelas situações pelos quais ele está passando são adequadas ou não. Isso faz parte do desenvolvimento.

 

Tiago: Como é feito esse entendimento de ambiente?
Marina: 
Entender sinais do ambiente é difícil até mesmo para pessoas comuns. É uma habilidade muito complexa. Por exemplo: se todo mundo está rindo de uma piada e olhando para mim o que que isso significa? A piada é de mim, é porque eu não estou rindo ou entendendo? Quais são os sinais que esse ambiente está me dando que identificam que eu estou sendo passado para trás? Para que os adolescentes autistas tenham essa compreensão, existem treinos estruturados baseados em análise do comportamento aplicada planejada por um especialista, de forma que haja aprendizagem consistente.

 

Tiago: Recentemente, houve uma atualização no número de diagnósticos de TEA, não é verdade?
Marina: 
Sim, a incidência de autismo está aumentando. De acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CD), dos Estados Unidos, existe uma pessoa autista para cada 59 crianças. É um número bastante alto que, mais cedo ou mais tarde, vai se tornar um problema de saúde pública. Essas crianças estão crescendo, vão se tornar adolescentes e adultos. Se a escola, por exemplo, não estiver preparada, bem como a sociedade, a gente vai ter um problema bem grande. Quem vai ensinar essas pessoas a serem funcionais e independentes?

 

Tiago: Por falar em escola, como você acredita que ela pode influenciar nessa fase da adolescência? O que cobrar dos professores?
Marina: 
A escola precisa ter uma preparação teórica e prática de como incluir esses adolescentes de forma eficiente na grade do ensino, como adaptar material. E os professores precisam ter formação e condições para lidarem com esse público diferenciado. Os autistas conseguem aprender, é um cérebro que funciona de uma forma diferente. Portanto, eles aprendem de uma forma diferente e a escola não está preparada para ensinar dessa forma diferente, mas sim para ensinar a média. Mas eu acredito que a escola sempre pode influenciar, não só na fase da adolescência quanto em qualquer fase, porque é um local onde a criança passa a maior parte do tempo e, com certeza, a aprendizagem acadêmica e social está muito ligada a esse período que ele está na escola.

 

Tiago: Qual o papel dos pais na vida de um adolescente autista? É possível responder a esta pergunta de maneira geral ou tudo depende do grau de autismo?
Marina: O papel dos pais na vida de um adolescente autista é fundamental, independentemente do grau de autismo. Essas pessoas precisam da presença dos pais, que terão a missão de educar. O comportamento adolescente é um período mais difícil, os hormônios estão à flor da pele e há uma tendência de rebeldia do autoquestionamento. Essas questões são naturais para todo mundo e para os adolescentes autistas, como falado anteriormente, vão se potencializar. Sendo assim, penso que o papel dos pais para qualquer adolescente seja de extrema importância para que essa transição seja o mais agradável e o menos conflituoso possível, para que o adolescente passe por essa fase com autoestima, responsabilidade e autoconfiança.

 

Tiago: As terapias para autistas dependem de uma equipe multidisciplinar. Quando a criança chega à adolescência os profissionais mudam? Como é feito esse acompanhamento?
Marina: 
O tratamento do autismo sempre precisa de uma equipe multidisciplinar (analista do comportamento, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, professor de educação física, entre outros). Quando a criança chega à adolescência, esses profissionais não necessariamente mudam. O que mudam são as demandas. Na intervenção precoce a gente trabalha habilidades de base, imitação motora, segmento de comandos e a própria fala. Quando essa criança vai crescendo, a gente tem demandas acadêmicas e sociais mais explícitas de iniciação de conversa, brincadeira, faz de conta. Na adolescência, as demandas vão passando para identificação, autoconsciência, identificação de desafios e qualidades que esse adolescente tem e o que a gente pode desenvolver e potencializar para gerar independência para, de repente, essa pessoa seguir para uma orientação profissional, inserção no mercado de trabalho e faculdade. O acompanhamento de um psiquiatra durante todo esse período também é extremamente importante para que haja avaliação da necessidade de medicação ou não durante todos os períodos e na adolescência.

 

Tiago: Você acha que há muitos profissionais preparados para lidar com o autista na fase adolescente?
Marina: 
A relação autismo e adolescência ainda é pouco difundida nos dias de hoje. Poucos profissionais são especializados nesse público. Vejo muitos profissionais fazendo intervenção precoce. Só que essas crianças vão crescer. Como a gente prepara as pessoas para esse período? Como os profissionais devem se atualizar para dar conta também dessa demanda que é tão importante quanto uma intervenção precoce? Na fase adolescente e adulta, a gente muitas vezes precisa desenvolver habilidades básicas, já que as demandas sociais são altas. Soma-se a isso a questão da profissionalização e da independência.

 

Tiago: E como essa falta de profissionais afetam os pais?
Marina
: Os pais sentem muita dificuldade em encontrar profissionais que trabalhem com essa faixa etária. Por isso, cada vez mais importante que os profissionais da análise do comportamento saibam como trabalhar o autismo na adolescência e fase adulta, inserção no mercado de trabalho, faculdade, enfim, para que os pais consigam ser melhor assistidos nesse período da vida dos filhos.

 

Tiago: Quais riscos um adolescente autista corre, caso não tenha o acompanhamento adequado?
Marina:
 O autista adolescente ou adulto tem tantas necessidades quanto as crianças autistas. A intervenção precoce é importante, mas na adolescência e na vida adulta também é primordial, para que o adolescente autista não entre em depressão ou ansiedade, que são os diagnósticos com morbidades muito comuns nessa fase. As demandas sociais estão muito altas e as habilidades sociais e os comportamentos rígidos podem levá-los a desenvolver TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo). Os adolescentes autistas precisam aprender a lidar com as situações de conflito do dia a dia que vão surgir. Entretanto, eles não conseguem aprender isso de forma natural e vão precisar de um treino estruturado e intensivo para que isso seja possível.

 

Fonte: Conteúdo publicado em 19 de julho de 2018 pelo site esporteeinclusao.com.br – com modificações.

 

*O Grupo Conduzir declara que os conceitos e posicionamentos emitidos nos textos publicados refletem a opinião dos autores.