Não quero ver o medo atrás da porta (parte II)

Não quero ver o medo atrás da porta (parte II)

  • Grupo Conduzir admin
  • 23 de outubro de 2020
  • Blog

Aqui estamos nós de novo, senhoras e senhores! Vamos agora pular dois anos (mesmo criticando leitores preguiçosos, admito que também sou um leitor preguiçoso…).

Em janeiro de 2017, mal sabia eu que seria o ano mais intenso, desgastante e de maior sofrimento. Mas, atualmente, consigo resumir toda essa turbulência em uma palavra: mudança.

Quando voltaram as aulas, no começo de fevereiro, eu iria para um ambiente mais obscuro do que a minha turma do Fundamental II. Estudei durante 9 anos da minha vida na mesma escola. Essa seria a primeira vez em 9 de 10 anos que mudaria para uma nova escola. Além disso, seria a primeira vez em 6 anos que tentava sair da zona de conforto para conviver com as pessoas. Queria recomeçar, fazer tudo diferente, sair do meu isolamento.

De cara, já tive o primeiro choque: parecia mais uma casa com um portão azul do que um colégio. Num canto, na lateral das “grades metálicas”, havia um interfone. Quando entrei, foi mais um choque: era um espaço com duas cadeiras de parque.  Se eu fosse dizer todos os choques que levei naquele primeiro dia, iria dar uma lista de cerca de duas páginas.

Ao tocar o sinal, começou o tumulto de alunos, talvez, digamos, porque havia só uma porta estreita que dava para as escadas que, por sua vez, levavam às salas. Para completar aquele dia caótico, não sabia onde era a minha sala. Por sorte, encontrei um cara barbudo e baixinho muito simpático para me ajudar. Depois descobri que ele era meu professor de Matemática/Física.

Nas primeiras semanas, parecia a melhor turma com que já tinha estudado. Houve umas provas em que não tive dificuldades para fazer (a média 5 deve ter contribuído, já que na escola anterior a média era 7). Nesse tempo, conheci o H., um menino que me considerava um amigo desde o primeiro dia de aula (confesso que, até metade de 2017, eu o achava muito mala e grudento, mas acabou sendo a amizade mais verdadeira e duradoura que acabei ganhando nesse período complicado).

Na aula de Geografia, o S. (que foi o professor com quem mais simpatizei) entregou as provas. Aí, a L. (a menina que mais tentou interagir comigo nas minhas primeiras semanas) veio conversar com ele (ou foi o contrário?) pois tinha tirado uma nota abaixo da média. Foi decidido que ela iria fazer uma apresentação de PowerPoint sobre “A transposição do Rio São Francisco”. O legal nessa nova escola é que dava para fazer algum trabalho, com um tema escolhido pelo professor, para melhorar a nota.

Mas S. disse que deveria ser um trabalho em dupla, e acabou por escolher o cidadão. Adivinhem quem foi? Exatamente, o escritor preguiçoso dessas crônicas…

1. Me marcou muito. A gente conversava muito no WhatsApp, até porque eu era melhor escrevendo do que falando. Nunca tive uma interação tão forte e frequente, muito menos com alguma menina. Eu admirava muita aquela criatura… Muito mais até que a G. L. tinha um sorriso sincero, era muito expansiva e simpática. Tinha tudo o que me faltava: ser mais aberto e não ter medo de falar com os outros. Queria muito que essa interação durasse, ao menos, até o final daquele ano. Mas aí, mais uma vez, minhas expectativas extremas contribuíram para a destruição de tudo isso. Claro que esse tipo de situação não se resume com uma palavra… Eu acabei me empolgando com tanta coisa boa que acabei me abrindo muito, na hora errada (fazia umas duas ou três semanas que a conhecia).

A confusão da minha cabeça me deixava, aos olhos alheios, extremamente contraditório e volátil (depois descobri que minha mudança de humor era por conta de bipolaridade). Minhas mudanças de humor auxiliaram, até mais que as expectativas, para o desgaste emocional daquele ano. Sendo assim, o que poderia ser uma boa amizade se transformou em mágoa e afastamento (que começou em março daquele ano e perdurou até o final das aulas).

E esse foi apenas o começo…

 

Matheus Cuelbas tem 20 anos e considera tanto a escrita quanto a música o combustível de sua vida. Aos 14 recebeu o diagnóstico de Síndrome de Asperger. Como colunista do blog pretende compartilhar as dificuldades e os impactos que o diagnóstico e as terapias tiveram em sua vida tão como as descobertas ao longo de um tortuoso caminho.

 

*O Grupo Conduzir declara que os conceitos e posicionamentos emitidos nos textos publicados refletem a opinião dos autores.